África do Sul/ “A grande questão é com quem o ANC irá fazer uma coligação”, diz observador
(ANG) – O Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês) no poder desde os tempos de Nelson Mandela (1994) está prestes a perder a maioria absoluta, pela primeira vez em trinta anos.
Segundo os resultados dos 98% votos já contabilizados pela Comissão Eleitoral, o ANC conta apenas com 40% dos votos, seguido pela maior formação da oposição, os liberais da Aliança Democrática (22%) e pelo MKP do ex-presidente Jacob Zuma (15%).
Wilker Dias, coordenador da plataforma DECIDE, que observa o desenrolar das eleições, explica que os factores étnico e geracional tiveram muito peso na hora de atribuir preferência a um ou outro partido.
O factor rural e urbano pesou para a escolha em alguns pontos, como é o caso de Gauteng (norte do país), em que tivemos uma corrida um pouco renhida entre o ANC e a Aliança Democrática (AD). Também nas zona do Western Cape, Limpopo e Malanga este factor geracional, associado ao domínio do rural e do urbano, pesou muito para que o ANC tivesse uma uma prestação um pouco maior.
Agora, noutros pontos como o KwaZulu-Natal, foi mesmo a questão étnica que teve mais peso. É uma região claramate dominada pela maioria Zulu, que constituiu uma grande parte do povo sul-africano. Isto pesou para que o MK do Jacob Zuma (também ele da etnia Zulu) pudesse também granjear maior simpatia. Ou seja, aqui há diversos factores, não só o rural-urbano, mas o étnico e o geracional também.
Estas eleições decorreram numa altura em que o país enfrenta uma série de desafios, nomeadamente em termos de desemprego (que afecta uma em cada três pessoas em idade activa) e de desigualdades sociais, não esquecendo a elevada taxa de criminalidade.
“As pessoas esperavam estes resultados em que o ANC não alcançaria a maioria, por conta dos últimos anos de governação. Os habitantes com quem falámos destacam a questão do desemprego, a questão dos cortes de electricidade ou a falta de condições básicas que o ANC não conseguiu promover.
A maior parte dos que votaram no ANC são pessoas mais crescidas e que, na sua maioria, vivem de pensões financeiras, neste caso concreto de reformas. A juventude encontrou-se um pouco mais dividida, alguns desinteressaram-se pela política, outros não tiberam o seu voto destinado ao ANC.
Neste momento, o que se procura saber é com quem o ANC se vai coligar nos próximos tempos”, disse.
As clivagens no ANC tiveram o seu peso nestes resultados eleitorais. Clivagens que, segundo o analista, o ex-Presidente Jacob Zuma soube aproveitar, de certa forma.
“As clivagens no ANC automáticamente pesaram nos resultados entre o Zuma e o Ramaphosa porque o Zuma acabou puxando alguns do ANC para o seu lado, tal como fez com outros partidos. Isto foi crucial para quebrar a hegemonia [do ANC].
O ANC foi o maior perdedor nestas eleições. O próximo congresso do ANC sá será em 2027, se não me engano, e até lá, se as coisas não melhorarem, será ainda mais o decréscimo do ANC. De recordar também que em 2026 teremos eleições municipais”.
Depois de serem anunciados os resultados finais, os 400 lugares de deputados serão repartidos. A nova Assembleia deverá reunir-se durante o mês para eleger o próximo Presidente.
O ANC, que detém actualmente 230 lugares (57,5%), continua a ser a maior formação política. Mas, despojado da sua posição de partido dominante, deverá iniciar negociações nos próximos dias.
“Aí começará a grande festa democrática na África do Sul, porque cada partido tem a sua ideologia. O ANC é um partido conservador. A Aliança Democrática é um partido liberal, tendência completamente diferente do ANC
O EFF, partido muito mais radical, tem um factor em comum com o ANC, que é o espírito pan-africanista. O EFF do Malema põe em cima da mesa temas como a usurpação das terras, questões raciais, etc, factor que assusta os mercados.
O AD tem um espírito mais capitalista. é um ponto de diferença entre os dois partidos, neste caso entre o ANC e o AD.
O MK do Zuma conseguiu ter os votos “de protesto”, os indecisos, etc. Há a questão étnica, para o grande número de Zulus que já não se viam representados pelo ANC.
O próprio ANC vai ter que a mão e assumir a grandeza do Jacob Zuma políticamente.
Vai ser um trabalho muito difícil esta coligação”, destacou Dias..
Este, que é um “momento histórico políticamente“, segundo Wilker Dias, revela a independência dos principais actores estatais do país, ainda segundo o analista, como a Comissão de Eleições “que tem tido um papel extremamente exemplar“. “Os partidos políticos também tiveram um papel exemplar a nível regional e isso tudo acaba sendo um factor histórico para a África do Sul porque essas rivalidades, essas disputas pelo poder, acabam fazendo a democracia.” ANG/RFI