Brasil/Cúpula do G20 põe à prova papel de Lula como líder mundial, enquanto COP29 segue em impasse
(ANG) – Lideranças das 20 maiores economias do mundo chegaram no domingo (17) no Brasil para a cúpula do G20, que começa hoje(18), no Rio de Janeiro.
O evento será uma prova de fogo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrar o Brasil como um grande ator global, apesar de percalços de Brasília na diplomacia desde que ele voltou ao poder.
Dois anos depois de anunciar ao mundo que “o Brasil voltou”, após o isolamento do país durante o governo do ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, Lula se mostra orgulhoso de ser o anfitrião do grande evento – e exatamente um ano antes de receber a Conferência do Clima sobre mudança climática (COP30) em Belém, além da cúpula do Brics.
O presidente, de 79 anos, pedirá que os líderes dos países mais ricos do mundo se comprometam com uma aliança contra a fome e promovam um imposto aos super-ricos, dois projetos emblemáticos da presidência brasileira do G20. Os dois projetos conquistaram inúmeros apoios durante as negociações prévias, realizadas ao longo do ano.
Ele também os incentivará a fazer mais contra as mudanças climáticas, em um momento em que o Brasil registra avanços nesta área, com a redução do desmatamento, e enquanto as negociações na COP29 sobre o clima encontram-se bloqueadas em Baku, no Azerbaijão.
O meio ambiente “foi a agenda em que o governo Lula mais avançou”, disse à AFP Roberto Goulart Menezes, coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (UnB).
Lula busca se estabelecer como líder mundial na luta ambiental e pode se orgulhar de a Amazônia brasileira ter registrado o menor desmatamento em 12 meses nos últimos nove anos, apesar dos incêndios e de uma seca recorde este ano, ligados ao aquecimento do planeta.
O Brasil também aumentou sua meta de redução de emissões de carbono e propôs mecanismos financeiros inovadores para conseguir aumentar a proteção das florestas mundiais.
A eventual saída de Washington do Acordo de Paris sobre o clima, após o retorno de Donald Trump à Casa Branca, abre a porta para reforçar ainda mais a liderança do Brasil nesta frente.
As tensões diplomáticas ligadas ao aquecimento global serão discutidas como prioridade na cúpula, enquanto a COP29 permanece em um impasse nas questões de financiamento climático. Ao lado do combate à fome e a pobreza, e a reforma das instituições globais, as mudanças climáticas fecham o trio das prioridades de Brasília à frente do G20 este ano.
Os países do G20 representam 85% da economia global e são também responsáveis por mais de três quartos das emissões mundiais de gases com efeito de estufa. São também os maiores contribuintes para os bancos de desenvolvimento que impulsionam o financiamento necessário para combater o aquecimento global.
“Todos os países devem fazer a sua parte, mas o G20 deve dar o exemplo”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, na semana passada, em seu discurso em Baku. “São os maiores emissores, com maiores capacidades e responsabilidades”, acrescentou.
Chegar a um acordo torna-se ainda mais difícil com o esperado regresso ao poder do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que se prepara para retirar mais uma vez o país do Acordo de Paris sobre o clima, como fez durante o seu primeiro mandato na Casa Branca.
O secretário-executivo da ONU para o clima, Simon Stiell, escreveu uma carta aos líderes do D20 no sábado, implorando-lhes que agissem em relação ao financiamento climático, inclusive aumentando os subsídios aos países em desenvolvimento e ao avanço das reformas dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
No entanto, os mesmos combates que têm atormentado a COP29 desde o seu lançamento, na semana passada, se repercutem nas negociações do G20, segundo diplomatas próximos das reuniões no Rio.
O Brasil reafirmou neste sábado (16) que os países emergentes não estão dispostos a contribuir para o financiamento contra as mudanças climáticas, mas espera destravar na cúpula essa questão crucial para as negociações da COP29.
Os países desenvolvidos, principalmente os europeus, têm pressionado para que grandes nações em desenvolvimento, como China, Índia, Turquia e o próprio Brasil, também destinem recursos para enfrentar os problemas ambientais em países de baixa e média renda.
Mas estes países mantêm sua posição contrária à participação das nações em desenvolvimento no financiamento climático, sob o argumento de que os países desenvolvidos são historicamente os principais responsáveis pelas emissões que causaram o aquecimento global – um princípio sacramentado no Acordo de Paris.
Lula tem tentado restabelecer sua imagem de diplomata carismático e hiperativo, focado no Sul global, o que fez com que Barack Obama o chamasse de “o político mais popular da Terra” em seus dois primeiros mandatos (2003-2010).
Depois de tomar posse, em janeiro de 2023, o presidente dedicou-se a “reconstruir pontes” após “os problemas deixados pelo governo anterior em política externa”, explicou à AFP o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Agora “o Brasil voltou a ocupar seu papel tradicional, de parceiro confiável da comunidade internacional e construtor de consensos” (…) “com todos os atores e blocos relevantes do mundo”, destacou o chanceler brasileiro.
Lula “representa os interesses dos mercados emergentes, mas também tenta construir pontes”, acrescentou uma fonte do governo alemão, antes do G20.
“É difícil negar que ‘o Brasil voltou'”, diz Michael Shifter, do think tank Diálogo Interamericano. No entanto, “ele cometeu alguns erros”, observa o analista à AFP.
O presidente foi muito criticado por ter declarado que Rússia e Ucrânia compartilhavam a responsabilidade pela guerra, o que o levou a “limitar os danos” e condenar a invasão russa, complementou Shifter.
Ao contrário da maioria dos países ocidentais, aliados incontestáveis de Kiev, o Brasil optou por promover, com a China, uma proposta de paz que não teve resposta até agora, ao mesmo tempo que mantém contatos com o presidente russo, Vladimir Putin.
Segundo o ex-diplomata e professor Paulo de Almeida, o “antiamericanismo” de Lula explica sua posição nesse conflito, assim como em relação a Israel. O presidente brasileiro classifica insistentemente a campanha militar israelense como um “genocídio”. Os confrontos entre os dois países levaram à retirada mútua de seus representantes diplomáticos.
A Venezuela é outra frente incômoda para Lula, que não reconhece a reeleição de Nicolás Maduro nem apoia as denúncias de fraude da oposição nas eleições de julho. O brasileiro tentou uma mediação que não deu frutos e acabou o afastando da posição da maioria dos países da região e do Ocidente, ao mesmo tempo que provocou tensões na relação com Caracas.
Para Shifter, o presidente “demonstrou-se relutante em empreender um esforço diplomático sério para combater a fraude flagrante e a repressão crescente de Maduro”.
A Venezuela tem sido “uma oportunidade perdida para Lula”, avalia o especialista, embora recentemente ele tenha endurecido sua posição a ponto de vetar a entrada de Caracas no Brics.
Sobre essas questões delicadas, o ministro Mauro Vieira afirma que “nem o Brasil nem o presidente Lula prometeram fazer milagres e resolver problemas tão complexos de forma voluntária ou mágica”.ANG/RFI/AFP