Meio século depois Guiné-Bissau ainda não cumpriu sonho de Amílcar Cabral – analistas
(ANG) – Analistas ouvidos pela agência Lusa consideram que meio século depois de proclamar unilateralmente a independência de Portugal, a Guiné-Bissau apresenta um balanço negativo na concretização do sonho e utopia do fundador da nacionalidade guineense, Amílcar Cabral.
Em 24 de setembro de 1973 todos os sonhos e utopias eram possíveis na Guiné-Bissau, e a proclamação unilateral de independência foi o passo lógico resultado de uma guerra de libertação que estava a ser bem-sucedida contra um regime colonial exausto e a braços ainda com lutas de libertação em Angola e Moçambique, além do isolamento internacional a que estava votado.
O ponto de partida do novo Estado, rapidamente reconhecido por cerca de 80 países, pela notoriedade de Amílcar Cabral, era promissor, mas o facto de coincidir com os efeitos do primeiro choque petrolífero, em 1973, uma crise económica e comercial de proporções mundiais desencadeada pelos maiores países produtores de petróleo, fez com que a realidade se sobrepusesse ao sonho.
“Os primeiros anos de independência, a partir de 1974 até finais de 1980, foram um grande momento, um momento de elevação, em que o espírito, o patriotismo, a vontade de fazer dos guineenses veio ao de cima”, considerou o jornalista Tony Tcheka.
O golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, liderado por João Bernardo “Nino” Vieira, expôs as contradições no seio do PAIGC e frustrou o sonho de Cabral em unir sob a mesma bandeira Guiné-Bissau e Cabo Verde.
O balanço dos primeiros 50 anos de independência, feito por Luís Barbosa Vicente, especialista em Políticas Públicas, Desenvolvimento e Poder Local, é negativo, descrevendo a “lástima em que estão os três pilares do desenvolvimento de um Estado de Direito”: educação, justiça e saúde.
Wilson Té, analista guineense, destacou que se assistiu a partir de 1980 a “uma degradação do Estado sistematicamente mais pela negativa, e que culminou com a guerra de 07 de junho (de 1998)”, conflito desencadeado por um golpe de Estado contra “Nino” Vieira, que pediu ajuda aos vizinhos Senegal e Guiné-Conacri, e que se prolongou até 10 de maio de 1999.
“Foi uma guerra que devastou a Guiné-Bissau e a partir daquele momento para cá, a Guiné-Bissau ainda não conseguiu se endireitar e conhecer o desenvolvimento”, acrescentou Wilson Té.
A localização geográfica do país, cercado de antigas colónias francesas, não ajudou à estabilidade e o papel do Senegal nos assuntos internos da Guiné-Bissau acentuou a dependência.
“Não é pelo facto de ter uma componente de localização geoestratégica que poderia dificultar efetivamente a afirmação do país. Desde que o país tivesse um estado forte, de certeza absoluta que não haveria problema nenhum, mas o país nunca se conseguiu afirmar”, salientou Luís Barbosa Vicente, considerando que depois de 1980 a Guiné-Bissau “entrou numa guerra constante de poder”.
Tony Tcheka destacou “algumas cumplicidades estranhas da parte de alguns dirigentes políticos da Guiné-Bissau que, pelas suas ações ou inação, colocam a Guiné-Bissau num patamar inferior mas claramente inferior, obedecendo aos interesses do Senegal”.
“Há uma sujeição, uma dependência, coisa que nunca tinha acontecido, porque havia uma coisa que a Guiné-Bissau tinha no contexto da África Ocidental, respeito e estima da parte dos países vizinhos”, acusou.
A falta de instituições fortes e respeitadoras do Estado de Direito e da separação de poderes minou a credibilidade internacional e levou a que a Guiné-Bissau passasse a ser sinónimo de instabilidade e crime organizado, com o narcotráfico a tomar conta da vida do país.
Para Tony Tcheka, “é preciso combater e erradicar o narcotráfico. É preciso investir na saúde, na educação. Não faz sentido que, 50 anos depois, a maior parte do território guineense não tenha acesso a eletricidade”.
“Não podemos estar sempre ciclicamente de mãos estendidas. A Guiné-Bissau não é uma terra pobre, não é”, frisou o jornalista.
Quanto aos próximos 50 anos da Guiné-Bissau, Luís Barbosa Vicente defende que “não há mal que dure 100 anos”.
“Eu acredito que a Guiné vai encontrar o seu caminho. E não vai ser assim muito tempo. E eu acredito que daqui a uns anos, a uma década podemos começar a almejar algo importante, mas isso precisa de pessoas com competências, pessoas preparadas, estadistas, que tenham uma outra visão da construção de um país, da construção de um Estado alicerçado na base de valores, de identidade, de cultura […] e eu acredito que isso chegará em breve”, antecipa.
“Eu tenho essa visão otimista. Acredito que estamos a passar por uma fase muito difícil, mas acredito que vamos lá chegar, e de certeza absoluta vamos ter de novo alguém que é capaz de continuar com todo o projeto de Cabral e um projeto melhor para a Guiné-Bissau e o seu povo”, conclui.
A Guiné-Bissau autoproclamou a sua independência de Portugal em 24 de setembro de 1973, mas as comemorações oficiais estão marcadas para 16 de novembro, dia das Forças Armadas. ANG/Inforpress/Lusa