Vistos CPLP/ O desacordo com a Comissão Europeia
(ANG) – A Comissão da União Europeia abriu, em Setembro, um processo de infracção contra Portugal acerca dos vistos CPLP que nessa altura, segundo dados oficiais, já tinham sido atribuídos a mais de 140 mil cidadãos da comunidade residentes em Portugal.
Adoptada em 2021 na Cimeira de Luanda e aplicada desde Março do ano passado em Portugal, esta modalidade de vistos facilita a entrada e permanência de cidadãos oriundos dos países-membros da CPLP dentro do país, mas não lhe dá a possibilidade de circular livremente no espaço da União Europeia.
Este dispositivo veio juntar-se e de certo modo simplificar os mecanismos anteriormente existentes no seio da CPLP para facilitar a circulação de pessoas, sem que isso provocasse controvérsias com Bruxelas, recorda a eurodeputada comunista Sandra Pereira que em Novembro colocou uma pergunta à Comissão Europeia sobre os motivos do seu processo de infracção. Uma pergunta que, para já, não obteve resposta.
“Ainda não houve resposta por parte da Comissão Europeia no sentido de perceber porque é que tinha sido posto a Portugal um procedimento de infracção por causa do acordo de mobilidade da CPLP. Recordo que este acordo está em vigor desde 1996, ainda que em Março passado tenha havido regras que agilizassem mais o processo, mas é um acordo já bastante antigo. Portanto, nem sequer se compreende porque é que é agora que a Comissão Europeia está a pôr este procedimento de infracção a Portugal”, refere a eurodeputada.
Na óptica da responsável política, não há matéria que necessite uma discussão com Bruxelas relativamente aos vistos CPLP.”Creio que é uma matéria soberana que não colide em nada com aquilo que são outros acordos dentro da União Europeia, nomeadamente com o espaço Schengen. O que quer que venha a sair depois das eleições legislativas, parece-me que esta é que deve ser a posição a ser tomada pelo Estado português“, diz a parlamentar.
Pedro Góis, especialista de questões migratórias e professor de economia no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, considera, quanto a si, que é provável que o Estado português e Bruxelas tenham que chegar a algum entendimento, o estudioso referindo não ter ficado surpreendido com as dúvidas levantadas pela Comissão Europeia.
“Não fiquei surpreendido porque existe uma óbvia possibilidade de algumas das pessoas que vêm do espaço CPLP e entram em Portugal quererem depois transitar para outros países. Portanto, o que a Comissão Europeia faz, é um alerta preventivo dizendo ‘isto não pode acontecer porque estes vistos não fazem parte da convenção Schengen’. Dito isto, Portugal tem que encontraruma solução para que estas pessoas, uma vez em território nacional, não viajem para outros países europeus para aí trabalharem ou até mesmo para fazer turismo, porque não têm essa autorização”, começa por dizer o universitário para quem se avinham negociações em torno deste dispositivo.
Todavia, a acontecerem, estas discussões não deixarão de ser um processo complexo, avisa Pedro Góis.”Estas autorizações de residência CPLP, ou vistos CPLP, resultam de acordos multilaterais entre países, não apenas de acordos bilaterais, entre Portugal e Cabo Verde ou entre Portugal e Angola, por exemplo, mas entre todos os países e são bidireccionais. Possibilita tanto aos portugueses viajarem para Angola, para Moçambique ou para o Brasil e aí residirem, como os cidadãos desses países residirem em Portugal. Portanto, este é um cenário em que qualquer mudança põe em causa tudo aquilo que foi conseguido durante as negociações para a obtenção destes vistos. Portanto, será um processo que, se o Estado Português decidir iniciar levará algum tempo e terá consequências nas relações diplomáticas entre os países”, observa o estudioso.
Questionado sobre as dúvidas levantadas pela Comissão Europeia sobre a possibilidade de de um grande número de cidadãos da CPLP estabelecidos em Portugal transitarem para outros países europeus, o especialista considera que são receios infundados.”Parece-me um pouco recorrente e uma repetição daquilo que aconteceu no passado quando Portugal e Espanha aderiram (em 1986) à então CEE – Comunidade Económica Europeia – se temia uma invasão e um desaparecimento da população da Península Ibérica, o que não se verificou, tivemos também o mesmo receio com o alargamento a leste e também não se verificou uma imigração massiva. Portanto, parece-me que neste caso, é um receio que não faz sentido”, diz Pedro Góis para quem o desfecho mais provável serão alguns ajustes na lei.
“Creio que vai haver ajustamentos, os que forem necessários fazer à lei para cumprir com as directivas da União Europeia, mas não me parece que existirá a possibilidade de um recuo total. Este tipo de vistos tendem a permanecer assim que eles mostrem que são eficazes, e parece-me que isto está a acontecer. A eficácia no processo de regularização no caso português aumentou por via da adopção destes vistos. Para as autoridades portuguesas, é algo que está a funcionar. Não vejo nenhuma razão para que política e diplomaticamente não se possa influenciar a decisão da Comissão Europeia e fazer de facto cessar o processo que está pendente”, conclui o universitário.ANG/RFI