EUA/Investigadora aponta Michelle Obama como “único nome com força para derrotar Donald Trump”
(ANG) – A pouco mais de 100 dias das eleições presidenciais nos Estados Unidos, o Presidente Joe Biden abandonou a corrida eleitoral e declarou apoio à vice-presidente, Kamala Harris, para ser a candidata do Partido Democrata.
A investigadora Diana Soller diz que “o único nome com força para derrotar Donald Trump é o de Michelle Obama” e sublinha que a renúncia de Biden “era inevitável” e “peca por tardia”.
Este domingo, Joe Biden, o mais velho Presidente da história dos Estados Unidos, com 81 anos, anunciou desistir da sua recandidatura e declarou o apoio à sua vice-presidente, Kamala Harris, para ser a candidata presidencial do Partido Democrata.
Diana Soller, Investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais e coautora do livro “Donald Trump: O Método no Caos”, considera que “o único nome com força para derrotar Donald Trump é o de Michelle Obama”, ainda que sublinhe que “até agora” pareça haver uma preferência por Kamala Harris no Partido Democrata. A investigadora diz que a renúncia de Joe Biden não é uma surpresa porque “era inevitável” e “peca por tardia”. Por isso, o partido tem de se recompor em tempo recorde para poder pesar face ao candidato republicano Donald Trump.
RFI: A renúncia de Joe Biden era uma decisão inevitável ou acabou por ser surpreendente?
Diana Soller, Investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais: “Era uma decisão inevitável. Aliás, é uma decisão que, do meu ponto de vista, peca por tardia. Ou seja, desde o dia 27 de Junho, quando ocorreu o debate entre Joe Biden e Donald Trump, percebeu-se de forma inexpugnável que era preciso um novo candidato democrata, que Joe Biden não tinha capacidade nem para fazer campanha, nem para fazer um novo mandato. E até houve quem perguntasse quem estaria a governar a América nos últimos tempos porque aquilo não aconteceu de um momento para o outro, como é evidente. Portanto, era preciso que Joe Biden renunciasse à sua recandidatura.
Não, não tem nada de surpreendente. Houve uma série de pressões, quer relativamente aos senadores, congressistas e governadores que também estão na corrida de 5 de Novembro para que Biden não os representasse porque sentiram que podiam ser prejudicados pela candidatura de Biden. Houve muitas pressões da parte da cúpula do Partido Democrata, nomeadamente os Obama, Nancy Pelosi e outros líderes do Partido Democrata que acharam que Joe Biden não tinha condições para ganhar as eleições. E, finalmente, houve uma grande pressão por parte de um conjunto significativo de doadores que ameaçaram retirar os donativos caso Joe Biden se mantivesse na corrida.”
Não é uma surpresa, mas não deixa de ser um sismo político…
“Eu acho que a desistência em si não é um sismo político. O sismo político aconteceu precisamente no dia 27 [de Junho]. Agora, evidentemente, que há todo um aparato do Partido Democrata que vai ter que se recompor e que se restabelecer rapidamente. Aparentemente, pelo menos até agora, parece haver uma preferência grande pelo lugar de Joe Biden ser ocupado por Kamala Harris, mas ainda nem disso há a certeza. Há o ‘endorsement’, mas ainda não há certeza.”
A Convenção Democrata é em Agosto. Até lá vai-se saber quem é o candidato? Apesar de Joe Biden ter apontado Kamala Harris, quem é que se segue?
“Nós não sabemos exactamente quem é que se segue. Aquilo que muitos democratas gostariam que acontecesse é Michelle Obama que, apesar de não ter experiência política, parece que faz nas sondagens o melhor resultado possível para os democratas. Há de haver uma parte do partido – que é a parte do partido que Kamala Harris representa, que é a parte mais radical – que vai querer a manutenção de Kamala Harris e há uma parte do partido que gostaria que o seu representante fosse alguém com mais experiência política que Michelle Obama e com uma posição menos radical perante a política que Kamala Harris. Aí aparecem nomes como o do governador da Califórnia, da governadora da Pensilvânia, que são nomes que são mais consensuais nesse aspecto. O problema desses nomes é que são nomes absolutamente desconhecidos para a maioria do público americano.”
Quem é que teria força face a Donald Trump a pouco mais de três meses das eleições presidenciais?
“O único nome com força é o de Michelle Obama. Mesmo Kamala Harris, que faz relativamente bem nas sondagens, não parece ter força para derrotar Donald Trump. Michelle Obama também não seria evidente que ganharia a Donald Trump, mas parece ser a única candidata ou a única possível candidata que tem essa capacidade, o que é muito má notícia para o Partido Democrata porque quando a única candidata que pode ser eficaz na corrida contra Donald Trump é alguém que tem zero experiência política no seu currículo, a não ser o facto de ter sido casada com o presidente dos Estados Unidos, isso não é uma boa notícia. Não é.
É um sinal de que não houve efectivamente uma renovação no Partido Democrata, como aliás, o Partido Republicano está a tentar fazer agora com J.D. Vance. O que houve foi um ‘ticket’ Biden-Kamala Harris que pretendia, no fundo, fazer o pleno do Partido Democrata, ou seja, agradar a todas as sensibilidades. Esses ‘tickets’ são eficazes, acontecem com alguma frequência em ambos os partidos, mas o problema é se o Presidente falha, ou seja, acaba por se entregar o país a uma sensibilidade política minoritária e que pode não ser positiva e não o é, do meu ponto de vista, para o futuro do Partido Democrata e dos Estados Unidos da América. O que acaba por acontecer é que o Partido Democrata cai na sua própria armadilha de querer agradar a todos, querer não criar fissuras dentro de um partido que por si só já está muito dividido e acaba por criar uma fissura muito maior e muito mais difícil de resolver. Mas isto são as circunstâncias políticas, não é? Não há boas decisões.”
Diz que Michelle Obama é a única que teria força face a Donald Trump…
“É o que dizem as sondagens.”
Mas Joe Biden apontou Kamala Harris, ou seja, ela conta com essa força. Quando é que vamos saber quem será, de facto, a/o candidata/o democrata?
“Uma coisa de cada vez. Em primeiro lugar, Joe Biden fez o ‘endorsement’ [apoio] da Kamala Harris porque não tinha outra hipótese. Não se pode escolher alguém para vice-presidente – e supostamente escolhe-se para vice-presidente quem nós achamos que é mais competente para o lugar – e depois não fazer um ‘endorsement’ dessa figura no momento de retirada. Portanto, Joe Biden não tinha propriamente nenhuma opção. Agora, o ‘endorsement’ de Joe Biden neste momento só vale do ponto de vista eleitoral. Joe Biden vai desaparecer do Partido Democrata e, na realidade, nós continuamos sem saber o que é que vai verdadeiramente acontecer.
Segundo as regras da democracia americana, nós só vamos ter um líder ou uma líder consagrado na Convenção Democrata. O que é que acontece? Há primárias e são primárias do ‘winner takes it all’ ou praticamente todas são primárias do ‘winner takes it all’ e Joe Biden ganhou todas as primárias. Portanto, tem cerca de 95%, 96% dos delegados que votaram nele e, por maioria de razão, esses delegados deveriam votar em Kamala Harris que é a pessoa escolhida por Biden.
No entanto, as circunstâncias são tão excepcionais que pode haver alguém – e vamos saber isso nos próximos dias – que desafie Kamala Harris, o que não é o mesmo que desafiar Joe Biden, porque, na verdade, as pessoas não votaram nas primárias em Kamala Harris, votaram em Joe Biden. Se houver esse desafio, vai haver uma mini contenda política entre Kamala Harris e quem quer que a desafie que vai resolver-se em Agosto na Convenção Democrata, segundo as regras da democracia americana.
Agora, até isso acontecer, há duas hipóteses: ou não há desafio de todo e Kamala Harris começa a fazer campanha como a candidata democrata não entronizada ainda porque vai precisar dessa convenção de Agosto. Ou vai começar uma contenda política nos próximos dias se houver um desafio a Kamala Harris e, aí, até Agosto vamos ter uma mini campanha eleitoral entre democratas para escolher qual é o candidato que vai representar o Partido Democrata nas eleições de Novembro.”
Falou em Kamala Harris e falou em Michelle Obama. Ambas são mulheres. Mulheres não brancas. Que é que estas mulheres têm que pese contra Donald Trump, se é que pode realmente pesar contra ele?
“Isso é que é a questão. É difícil e não tem a ver com o facto de serem mulheres, tem a ver com o facto de serem candidatas que chegam muito tarde à corrida.”
O que quer dizer? Que a eleição já está fechada?
“Não. A eleição nunca está fechada até ao dia em que os votos são contados ou que os votos são postos nas urnas. Agora, para sermos completamente realistas, uma candidata ou um candidato que chega quatro meses antes das eleições, quando a campanha eleitoral já decorre há bastante tempo, tem menos condições de ganhar as eleições que um candidato que concorre desde o princípio.
Quais são as forças de cada uma delas? Michelle Obama é muito popular entre o eleitorado democrata. Kamala Harris não cometeu nenhum erro excepcional enquanto vice-presidente, apesar de ter sido uma vice-presidente com muito pouca presença na política norte americana. Quer dizer, nenhuma delas tem uma força extraordinária que possa derrotar Donald Trump. Não tem nada no sentido de podermos apontar uma característica que pode pôr Trump em maus lençóis. Até porque o eleitorado nos dias de hoje está muito dividido e não tende a mudar de partido, tende é a não votar num candidato se não gosta dele.
Ou seja, os democratas tendem em não ir votar num outro candidato que não seja aquele que eles escolheram. Poderiam tender em não votar em Joe Biden porque ele estava com a saúde muito frágil, não quer isso dizer que passa o voto para Donald Trump e vice-versa.
Aquilo que seja quem for tem que fazer é convencer o eleitorado a levantar-se do sofá no dia 5 de Novembro a ir votar. Se Kamala Harris ou Michelle Obama têm essa capacidade, é muito cedo para saber. Agora, evidentemente que partem em desvantagem relativamente a alguém que está a pedir ao seu eleitorado que se levante da cadeira há um ano e tal, não é? Isso é inevitável, são as ironias da história.” ANG/RFI