Alterações climáticas/Djobel : Crianças com medo de viver
Por Salvador Gomes, da ANG
Bissau, 13 Jun 24 (ANG) – As alterações climáticas amedrontam as crianças de Djobel, uma ilha da seção de Suzana, da Região de Cacheu, Norte da Guiné-Bissau, com a subida, cada vez mais, do nível da água do mar, face as fracas ou inexistentes capacidades locais de adaptação aos efeitos da fúria da natureza.
Para irem a escola as crianças se deslocam à canoa motorizada ou remo, com apoio de adultos. Na época das chuvas ficam privadas de aulas, porque, para além do perigo de se deslocar em canoas, as vezes sob fortes ventos, o acesso á escola obriga à maioria delas a atravessar bolanhas submersas.
As autoridades tradicionais(régulo e comité-chefe de tabanca) dizem que não têm soluções: nem para esse sofrimento das crianças nem para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas que fustigam a ilha habitada por 223 pessoas, atingindo de forma mais forte as crianças, pondo em causa os seus direitos à sobrevivência .
Um grupo de jornalistas de diferentes órgãos de comunicação Social ,em formação sobre Mudanças Climáticas e seus efeitos visitou a ilha no dia 04 de Junho, e ouviu das crianças o desgosto de terem nascido em Djobel.
Suzane Nango, Dilma Djata e Alassan Djata têm 10, sete e oito anos respectivamente, e frequentem a 2ª classe na escola primária local. Não escondem o medo de viver em Djobel e foram unânimes no desejo de sair da ilha para ir à São Domingos. A escola leciona até 3ª classe, quem a concluir encontra motivos para ser levada para continuar estudos fora de Djobel.
“Ao vir para a escola, as vezes a minha roupa fica toda molhada. Ou volto para casa e chego tarde à escola ou fico com ela molhada até secar. Sim… tenho o medo de morrer afogado”, contou Alassan.
Não se vislumbra na cara delas a alegria de crianças na escola. As vezes é o material escolar que cai ou fica sujo, principalmente nesta época das chuvas.
Ainda não esqueceram da morte, ocorrida recentemente, de um colega que morreu afogado. A vítima veio de São Vicente.
Estavam no intervalo mas não havia a
correria normal de crianças que se encontram fora das salas de aulas. Agruparam-se, meninas de um lado, rapazes de outro em conversas em tons baixinhos. Correu a mais crescida para a sombra de uma palmeira as outras foram todas atrás dela, e se juntaram de novo .
As suas movimentações limitadas se devem também ao facto de não haver espaço de recreio que qualquer escola deve ter. Fora da sala de aulas, há ouriques e bolanhas, por toda a volta da escola. Em períodos de chuvas intensos se o pé falhar com o ourique a criança cai à água.
Encontramos na escola primária de Djobel 21 alunos de idade compreendida entre sete e 11 anos, e 12 são meninas.
Teras Nango é o professor, o único da ilha e leciona 38 alunos de 1ª a 3ª classe.
“Aceitei dar aulas aqui porque sou de Djobel. Os alunos precisam de alimentação para estarem mais animados nas aulas. Não beneficiam de qualquer tipo de refeição na escola”, revelou.
Ao que tudo indica, a ilha não está abrangida pelo projeto de Cantina Escolar, do Ministério da Educação, que tem revolucionado a participação e permanência de alunos nas escolas noutras partes do país.
“Se chover não há aulas. A época chuvosa começou, certamente, vamos ter que interromper as aulas”, avisa o professor Nango.
Leciona em Português mas tem sempre necessidade de traduzir a sua explicação em felupe, língua materna local. Os alunos nem crioulo falam.
Teras reconhece que leciona em condições difíceis mas acha que está a cumprir o seu dever. “Se não for assim essas crianças não vão poder aprender”, disse Nango, que leciona há cinco anos, em Djobel.
Uma professora foi ali colocada nem uma semana aguentou…
Isabel Nango, uma das mães de Djobel disse que tem 10 filhos e que cinco vivem com ela. Contou que há períodos em que ela e o marido trocam serviços de guarda dos meninos. Se tiver que sair o marido não pode sair e vice versa. Um tem que ficar em casa para salvar as crianças, caso a maré vier a registar níveis de subida capazes de provocar afogamento.
As mulheres de Djobel sofrem igualmente na pele com a situação desfavorável da ilha face às alterações climáticas. Djobel não tem água para beber. São as mulheres que se deslocam em canoas, à remo, com vários bidões em busca de água em Suzana ou Djifum para beber. A caminhada chega a ser perigosa.
“Uma vez fui de canoa , no regresso começou a chover e a fazer vento forte. Tive que dormir nos mangais até de manhã”, contou Isabel, uma das 104 mulheres de Djobel..
Com o conflito estabelecido entre os habitantes de Djobel e de Arame, por disputa de terras , as mulheres são obrigadas a fazer percursos maiores para ter a água de que a família necessita para beber , para além de outros afazeres domésticos.
Não é que vão tirar a água em poços já construídos. Se for em Djifum, por exemplo, chegam e escavam a terra até encontrar o lençol freático , enchem os bidões e remam para trazer a água à casa.
Para além das dificuldades relacionadas às alterações climáticas que enfrentam, os habitantes de Djobel estão em conflito por posse de terras com os seus vizinhos de Arame. Parece ser as mulheres que mais sofrem desse conflito. Não são permitidas apanhar água em Arame nem se deslocar, via Arame, para outras localidades . “Somos agredidos pelos vizinhos de Arame”, disse Isabel.
As consultas pré-natais periódicas que faziam em Suzana fazem-nas agora em São Domingos com o recurso a canoa.
Em consequência desse conflito, as famílias de Djobel cotizam-se para adquirir 160 litros de combustíveis, mensalmente, para trazer a água à Djobel através da canoa a motor disponibilizada à Ilha pelo projeto Arroz e Mangal, financiado pelo Fundo Mundial do Ambiente e executado pelo Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas-IBAP.
É por via desse projeto que Djobel tem estado a tentar a mitigação dos efeitos das alterações climáticas que batem sobre a ilha. O projeto fez o repovoamento mangal das margens marítimas , que haviam sido destruídas para cultivo de arroz. A iniciativa tem sido a muralha que tem impedido, de algum tempo à esta parte, que as águas do mar atingissem o interior das residenciais de palhotas de Djobel.
“A força da água parece estar controlada , mas depende da maré. Temos o medo que haja a maré alta capaz de cobrir os diques e os mangais e provocar danos ou mortes”, disse Baciro Nango, o Comité/ chefe de tabanca de Djobel.
O homem é a cara do desespero dos habitantes de Djobel, e está em desânimo.
“Já não há como fazer. Fizemos reunião entre as autoridades governamentais, os régulos e os habitantes das duas partes, mas os nossos irmãos de Arame recusaram aceitar a decisão de nos conceder parte das terras para mudarmos para lá”, disse Baciro Nango, numa clara alusão a violação dos seus direitos à habitação, em espaços comuns que no passado também pertenciam aos seus antepassados, segundo relatos locais.
Para este chefe de tabanca só o Estado pode encontrar uma solução para o desespero de Djobel, cuja população vive da lavoura de arroz e de pescas, mas as bolanhas já não produzem como dantes, devido a invasão da água salgada.
Djobel está sem jovens, que representam a força de trabalho nas comunidades. Os homens que ainda lá habitam não dão sinais de poder ,internamente, encontrar soluções que possam constituir alguma resiliência perante as alterações climáticas que impacta a ilha. A solução que todos defendem é a de o Estado assentar os djobelenses em Arame, onde dizem ter direito a uma parcela de terras.
Baciro Nango pede que Arame ou outras localidades lhes sejam concedidas mas mantendo a ilha como zona de lavoura.
Djobel nem mato tem para cerimónias tradicionais. No ano passado foram realizadas as tradicionais cerimonias de circuncisão num espaço improvisado de poucas palmeiras.
O conflito com Arame, segundo uma reportagem do jornalista Assana Sambú, desencadeou-se com a acusação de que os djobelenses destruíram campos de caju de várias famílias de Arame, na limpeza do espaço (04km2) que lhes foram cedido, em cumprimento da decisão saída da reunião de Fevereiro de 2019, que envolveu o Ministério da Administração Territorial, autoridades regionais, os regulados do Chão dos Felupes e as partes em conflito.
Houve acordo para as comunidades de Djobel recebessem 04Km2 de terras, acontece que 02Km2 já teriam sido ocupados com plantações de caju por populares de Arame.
Segundo Assana Sambú que cita Momo Sanhá, chefe de Tabanca de Arame, Djobel não convidou o pessoal de Arame para, em conjunto, delimitarem as terras que lhes foram disponibilizadas.
Preferiu fazer esse trabalho com o pessoal de Elia e, diz Momo Sanhá, destruíram espaço enorme de plantações de caju, pertencente à várias famílias de Arame.
Estando ainda latente esse conflito, e agora na forma mais violenta, as situações de privações de direitos à que as crianças e mulheres são sujeitas em Djobel vão persistir por mais tempo.ANG/SG