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Cimeira China-África: Pequim “é o foco de uma nova ordem mundial”

Cimeira China-África: Pequim “é o foco de uma nova ordem mundial”

(ANG) – Dezenas de líderes africanos marcam presença na cimeira China-África, em Pequim,que esta noite se inicia, para reforçar a cooperação com o gigante asiático, primeiro parceiro económico do continente africano e segunda potência económica mundial.

Em cima da mesa, nomeadamente, a renovação dos empréstimos chineses, dos quais Angola é o primeiro beneficiário. 

Os empréstimos cedidos pela China a países africanos atingiram no ano passado o valor mais elevado dos últimos cinco anos (4,2 mil milhões de euros), de acordo com uma base de dados realizado pela Universidade de Boston, ficando muito aquém, no entanto, dos 27 mil milhões de euros atingidos em 2016. Um decréscimo que se deve, de acordo com analistas, ao actual abrandamento da economia chinesa. 

Os empréstimos dos bancos públicos chineses têm permitido financiar numerosas infra-estruturas no continente, entre auto-estradas, portos e linhas férreas, implicando em contrapartida taxas de reembolso na origem de endividamentos que têm posto em dificuldade várias economias africanas.

Por outro lado, nas últimas duas décadas, centenas de milhares de operários e engenheiros vieram do gigante asiático para o continente africano para participar na construção destas infra-estruturas e projectos de exploração de recursos naturais, tais como o cobre, o ouro e o lítio. 

Em 2023, Angola foi o país do continente que contraíu o valor mais elevado de empréstimos chineses, seguido pela Etiópia, pelo Egipto e pela Nigéria. 

Apesar de se debater com os consequentes reembolsos, estes empréstimos são necessários para o país, segundo o economista Miguel Alves da Rocha, da Universidade Católica de Angola. Em entrevista à RFI, o economista analisou as questões subjacentes ao reforço da cooperação económica com a China, em detrimento dos Estados-Unidos e dos países europeus, cada vez menos protagonistas de um monopólio nas relações comerciais e económicas com o continente africano. 

RFI: Em relação à Conferência China-África, de que ponto de vista é que se situa Angola? Angola que relembramos, tem sido o país que mais beneficiou dos empréstimos chinese. Em que sectores é que estes empréstimos podem favorecer a economia e sociedade angolana? 

Em Angola, o investimento chinês incide na área das infra-estruturas, da energia, da agricultura, da indústria, da construção. Portanto, quando se fala na cooperação entre a China e África, é fundamental alragar e a área de análise para além dos empréstimos. Angola já foi beneficiada dos empréstimos da China e neste momento, está num processo de liquidação desses empréstimos, se bem que isso comporte bastantes sacrifícios tendo em conta a actual situação económica do país. Mas o meu ponto é que de facto é necessário. E a responsabilidade de não ser feita uma aplicação correcta dos empréstimos que Angola obteve da China é nossa. Nós é que devíamos ter tido, na altura em que o relacionamento financeiro e económico com a China se iniciou em 2004, ainda na vigência do presidente José Eduardo dos Santos, a cautela de encaminhar esses empréstimos para as áreas que pudessem ser reprodutivas a médio e a longo prazo. Mas isso não aconteceu em toda a extensão da questão. 

RFI: Quais seriam essas áreas?

Devia se ter investido mais na agricultura, ou ter procedido à melhor fiscalização das obras, por exemplo. Temos agora esse peso da dívida que nos está a custar imenso cobrir. Mas enfim, as coisas são são dessa maneira. Como se sabe, há muitos interesses neste momento em Angola, nomeadamente por parte dos norte-americanos. Eu não sei como é que estes investimentos privados e empréstimos, que actualmente estão a ser facilitados pelo governo dos Estados Unidos, como é que tudo isto se vai comportar no futuro com a [possível] eleição de Donald Trump.

Porque, como toda a gente sabe, Trump não é propriamente um adepto do multilateralismo e particularmente, da cooperação com África.

RFI: Nesse aspeto, os países africanos beneficiam em apostar na relação, na parceria com a China?

É exactamente isso. Porque o espaço de relacionamento com a China, não acaba na China. A China é neste momento o pivô, o foco de uma nova ordem mundial que tem capacidades e potencialidades económicas infindáveis. E é isso que temos escrito nos nossos trabalhos, nos estudos que temos feitos sobre a relação entre Angola e China. A cooperação vai passar por aí. Porque digo-lhe uma coisa, a cooperação com a Europa… eu acho que está no fim. Porquê? Porque não funcionou. Os países africanos continuam a estar hoje com as mesmas dificuldades, nomeadamente na área das infra-estruturas, que tinham na altura da independência. Isto é, aliás, visível nas intervenções de académicos africanos que falam, até com algum rancor, relativamente aos anos que foram perdidos com esta cooperação África-Europa. Agora, de facto, é a nova ordem mundial, é para aí que os países africanos se vão virar.

RFI: Em relação ao endividamento de vários países que beneficiáram dos empréstimos chineses, empréstimos esses que certamente ajudaram a construir e desenvolver infra-estruturas mas que, em contrapartida, originaram dívidas que depois pesam sobre a população local. Como sair disto? É um fatalismo, ter que se debater com as dívidas resultantes de investimentos e acordos realizados com elevadas taxas de reembolso?

Não, porque repare que Angola, por exemplo, já beneficiou com negociações com a China, de uma redução de uma parte da dívida. E é por aqui que as coisas têm de passar. Outros países africanos estão a fazer negociações para escalonar as suas dívidas de modo a tornar possível o reembolso. Isto, de forma a tornar mais suave a retirada da economia de uma certa percentagem do Produto Interno Bruto ou das receitas públicas que devem ser encaminhadas para o reembolso da dívida. Há uma gama variada de soluções, todas elas terão que culminar com o reembolso de dívida. Naturalmente, isso pode ser feito a mais ou menos longo prazo. Pode ser feito no exacto montante em que foi contratado o empréstimo ou pode ser feito já num contexto de re-escalonamento, encarando um certo “perdão” da dívida. Isso a China tem vindo a fazer com países africanos mais pobres e mais endividados do que Angola. Mas é também uma solução porque, no contexto de nova ordem mundial, interessa à China ter os países consigo nas melhores condições para que as relações comerciais e económicas funcionem bem, e não ter países subjugados pelo peso de dívida.ANG/RFI

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