
EUA/Acordo entre Washington e Kiev “retira tapete vermelho” estendido a Putin

(ANG) – Os Estados Unidos e a Ucrânia assinaram, na quarta-feira, em Washington, um vasto acordo económico que dá acesso aos recursos naturais ucranianos e que vai passar também por um fundo de investimento para a reconstrução do país devastado pela guerra.
Sandra Dias Fernandes, professora de Relações Internacionais da Universidade do Minho, diz que este acordo parece salvaguardar a soberania ucraniana, mas só dá uma “garantia de segurança indirecta” a Kiev. Por outro lado, é o fim do “tapete vermelho” que Donald Trump tinha estendido a Vladimir Putin.
Foi numa mensagem de vídeo que o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, anunciou o que descreveu como “acordo histórico de parceria económica”. A ministra ucraniana da Economia, Ioulia Svyrydenko, foi assinar o documento a Washington e disse que o acordo vai financiar “projectos de extracção de minerais, de petróleo e de gás”, considerando que o fundo vai “atrair investimentos mundiais”, mas sublinhando que a Ucrânia “conserva a propriedade e o controlo dos seus recursos”. E é justamente aqui que reside a diferença relativamente ao primeiro acordo apresentado em Fevereiro e que era, então, visto como “uma autêntica extorsão”, sublinha Sandra Dias Fernandes, professora de Relações Internacionais da Universidade do Minho, em Portugal.
“A grande diferença é que a primeira proposta de Fevereiro era considerada uma autêntica extorsão. Neste momento, nós não temos, obviamente, os detalhes todos, mas as declarações oficiais dos representantes ucranianos sublinharam uma dimensão que é o facto de os ucranianos continuarem proprietários do seu solo, do seu subsolo e de controlar toda a extracção. Pelo menos foi isso que foi declarado”, explica Sandra Dias Fernandes.
O esboço precedente do texto deveria ter sido assinado durante a visita do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, à Casa Branca, no final de Fevereiro, mas o incidente na conferência de imprensa – com Trump a repreender Zelensky – precipitou o seu regresso e cancelou a assinatura do acordo. Entretanto, o documento foi revisto, mas não parece incluir garantias de segurança americanas face à Rússia, algo que Kiev tinha pedido e no qual insistia Zelensky. De recordar que dois meses depois do polémico encontro na Casa Branca, Trump e Zelensky voltaram a ver-se e a reunir-se em plena Basílica de São Pedro, à margem do funeral do Papa Francisco. Esta quarta-feira, no canal NewsNation, Donald Trump declarou que, durante esse encontro, disse ao seu homólogo que se o acordo fosse assinado seria bom porque “a Rússia é bem maior e mais forte”.
Por isso, este é, acima de tudo, “um acordo económico”, sem nenhuma garantia directa de segurança para a Ucrânia, admite Sandra Dias Fernandes, ressalvando que Kiev obtém uma certa “garantia de segurança indirecta”.
“A Ucrânia obtém o interesse dos Estados Unidos da América na sua própria segurança, daí ser uma garantia de segurança indirecta. Portanto, é dado um acesso aos Estados Unidos que permite também que os Estados Unidos, na sua perspectiva, se sintam compensados, porque o Presidente Trump tem muitos problemas com todo o dinheiro que já foi investido na Ucrânia. Ele quer ser ressarcido desse dinheiro”, comenta.
Outro “avanço também positivo para os ucranianos”, no sentido diplomático, “é de sair um bocadinho do isolamento que Trump tinha criado à volta da Ucrânia a favor dos russos”, acrescenta a investigadora. É, por isso, o fim do ciclo iniciado no célebre episódio da Casa Branca, no final de Fevereiro.
“Este acordo fecha um ciclo que se iniciou em Fevereiro e que surpreendeu toda a gente quando o Presidente Trump, por iniciativa dele, apresenta este acordo que não estava, de todo, previsto nem falado. E fecha o ciclo do Presidente Zelensky ser acusado de ingratidão na Sala Oval no passado dia 28 de Fevereiro. Temos aqui o fechar de um ciclo menos positivo na relação dos Estados Unidos com a Ucrânia, em que a Ucrânia era muito pressionada e até, de alguma forma, acabava por sair isolada”, continua a investigadora.
O acordo acontece paralelamente às negociações em curso para encontrar uma saída para o conflito, três anos depois do início da invasão russa. O Tesouro americano usou, curiosamente, essa expressão “invasão russa”, algo que era evitado desde o regresso ao poder de Donald Trump. “O acordo reconhece a importante ajuda financeira e material que o povo americano forneceu à defesa da Ucrânia desde a invasão a grande escala da Rússia”, afirma o Tesouro.
Na Fox News, o secretário do Tesouro acrescentou que Donald Trump “quer que ambas as partes se sentem à mesa” e indiciou que é um trunfo o facto de os Estados Unidos mostrarem que têm um interesse económico na Ucrânia. “É um sinal para os dirigentes russos. É também um sinal para o povo americano que temos uma oportunidade para participar e obter uma compensação” em troca dos financiamentos e armas fornecidas à Ucrânia, declarou Scott Bessen. Será que o acordo vai permitir acelerar as conversações para se chegar a um cessar-fogo na Ucrânia? Não, na opinião de Sandra Dias Fernandes, que fala antes no fim do “tapete vermelho estendido a Putin” por Trump.
“Não creio que venha acelerar. Creio que veio retirar aquela espécie de tapete vermelho que Trump tinha estendido a Putin e, portanto, vem temperar a posição americana no sentido de não ser tão má para os ucranianos. Há aqui sinais que fazem com que já não seja uma espécie de mão dada à Rússia relativamente à questão ucraniana. Portanto, não há aqui uma relação directa, mas há um ambiente que poderá ser interpretado por parte da Rússia como o momento em que a Rússia tem que deixar de dilatar no tempo a ideia do cessar-fogo (…) Eu vejo isso tudo como obviamente mais positivo para a Ucrânia e, sobretudo, menos facilitado do ponto de vista diplomático para os russos, no sentido da estratégia de fazer durar no tempo a ideia de que um cessar-fogo está a ser negociado para continuar os seus ataques de forma absolutamente igual e até, às vezes, mais intensa do que tem sido nos últimos meses”, acrescenta.
Sandra Dias Fernandes lembra, ainda, que o anúncio de um cessar-fogo de 8 a 10 de Maio, “foi muito mal recebido” e “o próprio enviado de Trump para a Ucrânia, Keith Kellogg, apelidou essa trégua de ridícula” porque “o que eles querem é uma trégua de 30 dias”. ANG/RFI