
Liberdade de imprensa/ Declínio preocupante em muitos países africanos

(ANG) – O “Índice Mundial da Liberdade de Imprensa 2025” dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) foi publicado, esta sexta-feira, na véspera do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. No topo da classificação aparecem a Noruega, a Estónia e os Países Baixos. Portugal surge em oitavo lugar.
Poucos países africanos têm razões para comemorar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa porque o relatório revela que “a liberdade de imprensa está a sofrer um declínio preocupante em muitos países africanos”. A Eritreia é o pior país do planeta para os jornalistas e detém “o triste recorde das mais longas detenções de jornalistas no mundo”, aparecendo em último lugar nos 180 países analisados. Outros países africanos com pior classificação são o Uganda (143.º), a Etiópia (145.º lugar) e o Ruanda (146.º lugar).
A Guiné-Bissau está em 110° lugar e o sindicato da profissão alerta que “os jornalistas estão a sofrer”. Cabo Verde aparece como um dos melhores países africanos para a profissão, ao lado da África do Sul e da Namíbia. Angola também aparece a laranja no mapa da RSF e surge na posição número 100. Moçambique surge logo depois, em 101º lugar. São Tomé e Príncipe não fez parte da lista.
Na pior posição entre os países afro-lusófonos avaliados, aparece a Guiné-Bissau que caiu da posição 92 para a 110ª. O relatório aponta que “na Guiné-Bissau, nos últimos anos, a forte degradação do contexto de segurança para a imprensa e as pressões políticas e económicas colocaram o jornalismo à prova”.
Questionada sobre esta classificação e sobre a dificuldade de ser jornalista neste país, Indira Baldé, a presidente do Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social da Guiné-Bissau, diz que “a classificação vem revelar, mais uma vez, a situação que os jornalistas e os profissionais da Guiné-Bissau têm vivido ao longo dos tempos” porque “a pressão política e a pressão económica continuam a fazer parte do dia-a-dia dos profissionais da comunicação social guineenses”.
“Vimos cada vez mais a liberdade de imprensa a ser limitada, o acesso à fonte de informação continua a ser limitado, a precariedade continua a falar cada vez mais alto. Essas situações continuam a fazer com que a Guiné-Bissau esteja cada vez mais a regredir no ranking da liberdade de imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras”, explica a jornalista.
Como é que os jornalistas resistem às pressões? Indira Baldé diz que “está a ser difícil a resistência”, que “os que resistiram continuam a sofrer pressões” e “outros estão a resistir com alguma reticência porque podem perder o emprego”. No fundo – resume – “os jornalistas estão a sofrer” e “fazer um jornalismo isento de qualquer interesse está a ser cada vez mais difícil, como vem referido na classificação” da RSF.
No que toca aos órgãos públicos da Guiné-Bissau, a presidente do Sindicato dos Jornalistas acrescenta que “o cenário é extremamente difícil porque os jornalistas têm ou de alinhar com o que a direcção do órgão quer, ou perder o emprego”. Por outro lado, “o mercado não é aberto nem actractivo para se procurar emprego”.
Segundo a RSF, a Guiné-Bissau caiu da posição 92, em 2024, para a 110ª, em 2025. O que aconteceu num ano? Indira Baldé responde: “A questão política piorou bastante. Vimos jornalistas a serem insultados publicamente. Vimos jornalistas a serem expulsos das actividades das coberturas. Vimos jornalistas a serem limitados de acederem a certas actividades políticas. Vimos também que, para precaverem essas situações, muitos jornalistas já não vão a certas coberturas, decidem ficar nas suas redacções (…) A situação política não tem ajudado a classificação da Guiné-Bissau. Depois vem a situação económica. Os órgãos de comunicação social enfrentam muitos problemas de sustentabilidade, funcionam com apoios dos parceiros, prestação dos serviços, ainda não temos uma subvenção do Estado aos órgãos de comunicação com serviço público prestado. Isto tem prejudicado bastante e tem limitado muita produção de qualidade nos nossos órgãos de comunicação.”
Em ano de eleições presidenciais e legislativas na Guiné-Bissau, o cenário arrisca-se a piorar. Indira Baldé acredita que “os jornalistas vão ter grandes desafios” e alerta que “a pressão política vai continuar e a precariedade económica vai continuar”.
Cabo Verde é o terceiro melhor país africano em termos de liberdade de imprensa na classificação da Repórteres Sem Fronteiras. O arquipélago aparece na 30ª posição, apenas antecedido pela África do Sul em 27° lugar e pela Namíbia em 28°. Cabo Verde sobe 11 posições já que em 2024 se encontrava em 41°.
Geremias Furtado, presidente da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), congratula-se com a classificação, mas avisa que ainda se tem que melhorar vários aspectos.
“Eu vejo essa subida com muita alegria tendo em conta que sempre queremos estar bem posicionados nos rankings de liberdade de imprensa. Entendemos que muito mais do que estar bem posicionado, temos que sentir que, de facto, há liberdade de imprensa em Cabo Verde e que é uma liberdade plena e absoluta. Ficámos felizes, sim, confiamos muito na análise dos Repórteres Sem Fronteiras, mas acho que não nos devemos contentar com esta simples subida e dizer que tudo já foi feito”, adverte Geremias Furtado.
O jornalista diz que “há que se trabalhar, reflectir e ter acções concretas no sentido de se garantir que a liberdade de imprensa seja plena em Cabo Verde” porque “a precariedade laboral é um problema crónico dos jornalistas em Cabo Verde”, nomeadamente, os “contratos a prazo, salários que não condizem, sobrecarga no horário, poucas condições de trabalho”.
Geremias Furtado considera que se deve “aproveitar esta subida” para pedir a clarificação do Código do Processo Penal no que toca ao segredo de justiça porque é ambíguo: “Num artigo diz que os jornalistas não estão vinculados pelo segredo de justiça e num outro artigo logo a seguir diz que quem divulgar parte de peças processuais incorre no crime de desobediência”, explica.
Além disso, o sindicato está preocupado com “os ataques e discursos de ódio contra jornalistas que vêm surgindo de forma proliferada nas redes sociais”, apontando, como exemplo, o caso de um deputado que sugeriu “umas palmadas aos jornalistas”. Acima de tudo – diz- “há que respeitar o trabalho dos jornalistas”.
Por outro lado, o relatório da RSF escreve que “o país se destaca na região pelo ambiente de trabalho favorável aos jornalistas”, recorda que “a liberdade de imprensa é garantida pela Constituição”, mas adianta que “os chefes dos meios de comunicação públicos, que dominam o cenário mediático, são nomeados directamente pelo governo”. Jeremias Furtado diz que agora isso apenas acontece com a agência de notícias Inforpress, já que a RTC tem um conselho independente que escolhe os cargos do topo.
“O que acontece na Rádio e Televisão de Cabo Verde é que há um conselho independente – embora a AJOC discorde da forma como esse conselho é composto- mas há um conselho independente que nomeia os gestores desse órgão. A nossa preocupação prende-se, agora, com a Inforpress que é a única agência de notícias cabo-verdiana e o administrador é escolhido directamente pelo governo. Entendemos que se há da parte da RTC um conselho independente que elege os administradores porque é que o administrador único da Inforpress não pode ser nomeado por um conselho independente? O director e o chefe de redação também são nomeados e não há concursos internos para escolha destas chefias intermédias”, conclui Geremias Furtado.
Angola também aparece a laranja no mapa da RSF e surge na posição número 100 de uma lista de 180 países. Em 2024 estava na posição 104. O relatório aponta que “após 40 anos de governo do clã Dos Santos, a chegada ao poder do Presidente João Lourenço, em Setembro de 2017, não foi um ponto de viragem para a liberdade de imprensa” e “a censura e o controlo da informação ainda pesam sobre jornalistas angolanos”.
Quanto a Moçambique, que surge na 101ª posição e também melhora relativamente a 2024 (105°), a ONG aponta que“a eleição de Daniel Chapo em Outubro de 2024, seguida de confrontos violentos que deixaram mais de 300 mortos, agravou o preocupante declínio da liberdade de imprensa em Moçambique”. ANG/RFI