Portugal/ “Decisão presidencial não vai nascer do vazio, depende dos partidos”, diz professor Adelino Maltez
(ANG) – Um dia depois da demissão apresentada pelo primeiro-ministro português, António Costa, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu quarta-feira, as oito formações partidárias com representação parlamentar, antes de tomar uma decisão sobre o futuro da governação do país.
António Costa tem uma maioria absoluta, considerou terça-feira que nada lhe pesa na consciência, aceitou a fragilidade em que se encontra e pediu a demissão, na sequência de investigações que o visam a ele e pessoas do seu núcleo duro e membros do executivo.
O professor catedrático de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Adelino Maltez, fez a análise da situação política em Portugal.
RFI: António Costa fez o que está certo, a seu ver, apesar de a lei não o obrigar a tomar esta decisão?
Adelino Maltez: António Costa disse na comunicação ao país que falou com o tribunal da consciência. Foi uma decisão pessoal, de quem se sentiu incapaz de governar, mas numa relação com a respectiva consciência. Foi uma decisão pessoal, livre, do indivíduo António Costa. O problema é sabermos como é que o Presidente da República interpretou a maioria absoluta. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse no acto de posse de Costa que a maioria era de uma pessoa, António Costa, e não era do Partido Socialista. Portugal tem neste momento, formalmente, uma estabilidade, uma maioria absoluta e um parlamento em plena vigência, e a decisão que vai tomar é manter este parlamento, que está na sua plenitude, ou dissolver-se o parlamento para constituir um novo governo.
A solução governativa está nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa e existem três cenários possíveis: O Presidente da República pode convocar eleições antecipadas ou deixar que o PS se mantenha no poder, com outro primeiro-ministro. Existe ainda uma terceira via: o controlo do país pela via presidencial. Essa é uma hipótese?
Na Constituição, desde o começo da década 80, o Presidente da República já não tem tantos poderes, como tinha na fase inicial da Constituição de 1976. Nós estamos perante um falso problema porque, ainda ontem, os partidos começaram a manifestar-se, vão ser ouvidos pelo Presidente, vai ser ouvido o Conselho de Estado e a decisão presidencial não nasce no vazio, vai depender daquilo que os partidos forem dizendo. O que os partidos, ontem, disseram foi; ‘venham eleições antecipadas’ ou se não vierem, ‘nós cá estamos’. Os partidos admitem e quase aconselham o Presidente a fazer uma dissolução do Parlamento. O nosso presidencialismo é um presidencialismo mitigado. É um presidencialismo que tem que passar pelo Parlamento. No tempo do general Ramalho Eanes, quando surgiram três governos de iniciativa presidencial, o primeiro nem passou à primeira investida parlamentar e o segundo passou porque o Parlamento continuava vigente o admitiu. O nosso presidencialismo só existe se for aliado ao parlamentarismo. O problema aqui é o de saber qual é a melhor solução para Portugal e para a clarificação da política interna.
O que acontece num cenário em que o Presidente da República não dissolva a Assembleia da República?
Seria obrigado, como diz a Constituição, a formar um governo atendendo aos resultados eleitorais. Em princípio, teria que formar um novo governo do Partido Socialista, conseguir um bloco central, conseguir formar através de uma personalidade consensual um governo apoiado pelo PS e pelo PSD, mas não há ambiente para isso. A maioria dos partidos prefere clarificar a situação através de eleições antecipadas
Caso António Costa se mantenha à frente do país, até haver eleições antecipadas, existe o risco de influenciar o curso das investigações?
Não, não, as instituições quer do Ministério Público, quer da Magistratura têm autonomia, como ser viu. Pela primeira vez na história em Portugal, um polícia de rua, um polícia de segurança público entrou para executar um mandado e proceder a buscas no gabinete do primeiro-ministro. É uma questão inédita e um símbolo de que ninguém está acima da lei, nem o gabinete do primeiro-ministro.
O Presidente da República pode dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições, destas eleições antecipadas podem sair soluções fortes que o país precisa, num mundo em crise e perante tantos desafios não resolvidos?
O país tem estabilidade, apesar da questão europeia e das questões das duas guerras em curso. Felizmente que em Portugal nos dois grandes partidos e outros, existe um consenso interno daquilo que são as opções fundamentais do país. Nesse sentido não há uma crise, não vamos mudar nenhuma posição europeia ou de política internacional depois das eleições. Há uma estabilidade e a democracia funciona, de tal maneira que as pessoas nem se preocupam com isto. As pessoas pensam ‘isto é com eles’, mas quando dizem que é com eles, estão confiantes. Não se vive num ambienta de dramatismo, nem de preocupação. Já acreditamos que as instituições funcionam.
Quanto à economia, quais as consequências da demissão do primeiro-ministro para Portugal, uma vez que o Orçamento de Estado cai, a bolsa caiu esta terça-feira.
Se os partidos cometerem erros haverá consequências. Como o Parlamento funciona, fala-se muito da questão dos fundos europeus através desta linguagem nova a que chamamos PPR, que implicam decisões internas para poder fluir, de outra maneira não entram na economia portuguesa. Os partidos portugueses são responsáveis e se for preciso decisões legislativas tomá-las-ão. Não se vê um ambiente destas oposições do quanto pior, melhor
Se se comprovarem crimes de corrupção no seio do núcleo central do poder. Depois do caso Sócrates, BES, como é que se recupera a confiança nos políticos portugueses?
Há um exagero que é típico do português; que é dizer mal de tudo e de todos. Olhando justamente para António Costa e para o prestígio dele, ele é, sem dúvida, o melhor político de esquerda da sua geração.
Na Presidência da República, temos o melhor político português de todas as gerações à direita – não é por falta de qualidade. Temos como se viu, e até deitámos fora – porque sentiu que estava num pântano – o atual secretário-geral das Nações Unidas, até corremos – porque ele quis – um tipo que foi Presidente da Comissão Europeia, o Durão Barroso. Há um exagero quando se diz que não temos qualidade dos políticos. António Costa não saiu do governo por falta de qualidade, e o Presidente tem qualidade. Um dia os que dizem isso vão arrepender-se que faltavam políticos em Portugal. António Costa costumava dizer que temos a geração mais qualificada de sempre e isso aplica-se também à política.
Num momento de instabilidade há riscos de aproveitamento político. É o que está a dizer?
Há riscos de aproveitamento porque vamos ter uma campanha eleitoral e há partidos que a partir da crise querem sacar 5 ou 10% de quem votada no PS ou no PSD. Isso pode acontecer, o Chega e o Bloco de Esquerda podem crescer a partir desta instabilidade. ANG/RFI